A seguinte situação ainda acontece muito, principalmente nos Municípios do interior. O servidor efetivo presta concurso para um determinado cargo, mas há muito tempo exerce outras funções, próprias de outro cargo.
Basta imaginar, por exemplo, a situação de um servidor que presta concurso para um cargo com funções administrativas. No entanto, por sua formação (adquirida antes ou depois do concurso) passa a dar aulas em escola pública. Ele está agora exercendo as funções de professor (cargo diferente daquele para o qual prestou concurso).
A isso se dá o nome de desvio de função. Os servidores que estão envolvidos nesse tipo de situação costumam ter dúvidas acerca de quais as consequências jurídicas desse desvio. Em outras palavras, a dúvida é: quais direitos o servidor em desvio de função possui?
Não há direito ao “reenquadramento” em caso de desvio de função
Como regra, os servidores em desvio de função sempre questionam sobre a possibilidade de serem “reenquadrados” nos cargos cujas funções exercem, pois é normal que o desvio dure muitos anos.
No exemplo que demos no início do artigo, o servidor viria a ser reenquadrado como professor. Com isso, gozaria, inclusive, dos benefícios dessa função, como a possibilidade de se aposentar mais cedo.
Apesar de essa solução parecer justa, o reenquadramento não é possível, e essa é uma questão já consolidada na jurisprudência.
A razão para isso é que a Constituição Federal de 1988 estabelece que
somente poderão ocupar cargos públicos efetivos aqueles que forem devidamente aprovados em concurso público, e esse concurso deve ser específico para cada cargo que faz parte da complexa estrutura da Administração Pública, seja ela municipal, estadual ou federal.
Sendo assim, quem presta concurso para, por exemplo, Analista de algum órgão da Administração Pública não poderá exercer funções que sejam estranhas ao seu cargo, muito menos exercer as funções que são próprias de outro cargo.
Quando isso acontece, o servidor, por mais tempo que ele tenha de exercício naquela função, não adquire o direito a ser reenquadrado naquele cargo. Só pode ocupar o cargo quem é regularmente aprovado em concurso público destinado ao preenchimento de vagas naquele cargo com aquelas funções específicas.
Existem casos reais de servidores em desvio de função por décadas e mesmo assim não há direito ao reenquadramento por proibição constitucional expressa.
Há direito às diferenças remuneratórias
Apesar de não haver direito ao reenquadramento, existe o lado bom. A Justiça reconhece o direito ao recebimento das diferenças remuneratórias entre o cargo que o servidor ocupa e aquele que exerce em desvio de função. Esse entendimento foi consolidado pela Súmula nº 378 do Superior Tribunal de Justiça.
Essa diferença deve ter como parâmetro o vencimento dos cargos. Parte-se do pressuposto de que o servidor tem direito ao pagamento pelo trabalho que exerceu, sob pena de enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública.
Se o servidor ocupa um cargo público efetivo com vencimento de R$ 2 mil, mas exerce, em desvio de função, as atribuições de um cargo cujo vencimento é de R$ 4 mil, ele tem direito a receber R$ 4 mil. Assim, surge para ele a possibilidade de cobrar a diferença de R$ 2.000,00 por cada mês trabalhado em desvio de função.
Essa diferença pode refletir em outras verbas que o servidor recebe, como adicional por tempo de serviço, adicional por titularidade, além de férias e 13º.
A reparação é pelo menos um alento a quem se dedica por longos anos a uma determinada função, sem que tenha sido adequadamente valorizada por ela.
Mas, atenção: essa cobrança se limita aos últimos 5 anos, porque todo e qualquer direito de recebimento de diferenças salariais prescreve em 5 anos.
Se o servidor está em desvio de função há mais de 5 anos e nunca buscou o recebimento das diferenças salariais a que tem direito, ele ainda pode buscar essa reparação, mas limitado aos últimos 5 anos. Aquelas diferenças que já tiverem completado 5 anos antes da propositura da ação não podem ser cobradas mais.